Acesso a instituições de ensino e a políticas de saúde, entre outros pontos, ainda é desafio para pessoas com deficiência
postado em 06/02/2023 03:55

A falta de rampas, acessos diretos, banheiros adaptados, prioridade de locomoção nos espaços, postos de água exclusivos, intérpretes de libras e áudio descrição são algumas das dificuldades diárias enfrentadas por pessoas com deficiência (PCDs) no país. Para representar os problemas em números, o Instituto Olga Kos divulgou os dados compilados de 2022 do Índice de Inclusão para Pessoas com Deficiência.
Pesquisadores da organização — que é responsável por promover projetos artísticos e esportivos para PCDs — colheram dados em 12 estados das cinco regiões do Brasil. O estudo levou em conta acessos de grande relevância para a inclusão e participação das pessoas com deficiência nos diferentes espaços e contextos, como o acesso à educação, saúde, tecnologias assistivas, políticas públicas e benefícios assistenciais, entre outros.
O levantamento, segundo Natália Mônaco, coordenadora do Departamento de Pesquisas do Instituto Olga Kos, mostra uma clara associação entre pobreza e a elevada prevalência de pessoas com deficiência na população.
“É possível afirmar que a inclusão socioeconômica de pessoas com deficiência também esteja associada, de alguma forma, ao grau de pobreza. Os resultados mostram que a inserção pode romper com o peso da pobreza, em função de políticas públicas. Inicialmente é preciso uma inserção básica, que permita PCDs em situação de pobreza extrema terem as condições mínimas para se inserir na sociedade. Essa se dá pelo Benefício de Prestação Continuada (BPC)”, salienta a coordenadora.
Para Isaura Sarto, advogada e consultora em acessibilidade e inclusão, o resultado da pesquisa não foi inesperado. A profissional, que é mãe de um menino autista, diz que qualquer tentativa de inclusão plena é corroída pelo capacitismo.
“O capacitismo classifica e hierarquiza as pessoas em função de sua deficiência, promove o preconceito, a opressão e a discriminação, ao afirmar que sua deficiência é limitadora de sua capacidade. Para desconstruir o capacitismo, precisamos desenvolver na sociedade o sentimento de pertencimento em relação às pessoas com deficiência, para que elas sejam vistas como parte da sociedade, e não um grupo separado”, afirma a advogada.
Educação
A análise dos dados sobre educação indica que a maioria das crianças e jovens com deficiência não frequenta ou não frequentou a escola. O percentual de 17% de frequentadores sugere os passos a serem dados em prol de uma escola que realmente inclua PCDs.
Tanto a Constituição Federal quanto a Convenção Sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência garantem o direito de todos a uma educação inclusiva, na qual os estudantes compartilham o mesmo ambiente escolar. Entretanto, alunos com deficiência ainda sofrem com a falta de adaptação.
A pedagoga Girleide da Silva Braga, 55 anos, que trabalha com educação especial na Secretaria de Educação do Distrito Federal, lista alguns pontos que confirmam a baixa inclusão e alta taxa de evasão entre as PCDs. Dificuldade de chegar à escola (ônibus adaptados e acessos nas proximidades da escola e das residências); falta de investimento em tecnologia (materiais apropriados e qualificação profissional); ausência de acompanhamento educacional integrado; falta de acompanhamento do aluno junto a outros órgãos; e falta de profissionais qualificados são alguns deles.
Segundo a pedagoga, as escolas regulares não estão preparadas para atender crianças com deficiência, o que é um dos motivos da alta evasão escolar desse público. “As escolas precisam estar mais preparadas, e não só ter um professor para atuar com esse aluno. Toda a rede tinha que ter outro preparo. Então, o que tem acontecido muito é essas crianças ficarem sozinhas num canto, sendo só mais um número. Assim, ela vai perdendo o gosto por estudar”, esclarece a professora.
Segundo os dados do Olga Kos, embora tenha sido identificada uma ampliação do acesso, persistem problemas para a superação de barreiras físicas e arquitetônicas. De acordo com o estudo, os fatores que dificultam o acesso e a permanência na escola estão associados ao transporte escolar em 32% dos casos. Em seguida, aparecem a falta ou carência de acompanhante (25%), a infraestrutura escolar e acesso da escola (22%) e a distância da instituição (20%).
Tomando por base o nível de escolarização, a sondagem identificou que, nas pessoas com 18 anos ou mais com deficiência, o índice da população com nível superior completo era de 5%, contra 17% das pessoas sem deficiência.
Dados de 2021 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que apenas 16,6% da população brasileira com deficiência possui ensino médio completo ou superior incompleto, e que 67,6% não têm instrução ou ensino fundamental incompleto.
Saúde
Cerca de 76% das pessoas entrevistadas na pesquisa do Instituto Olga Kos não participaram, nos últimos quatro meses, de serviços médicos de reabilitação. Dos que participaram, 55,46% acessaram tais serviços por meio do SUS (sendo 3% serviços conveniados ao SUS). Do restante, a maior frequência foi por meio de organizações sem fins lucrativos (29,48%), seguida por planos/convênio de saúde (5,84%), e acesso particular (3,93%). Os outros meios de acesso representaram menos que 1%.
Lucas Albanaz, clínico geral e coordenador da Clínica Médica do Hospital Santa Lúcia, observa que, para as PCDs, é essencial um acompanhamento médico de qualidade. “Uma pessoa com deficiência auditiva deve consultar o otorrinolaringologista de forma recorrente para ver se tem alguma possibilidade de melhorar; o mesmo acontece para os demais. Uma avaliação médica é fundamental para esse paciente se manter ativo. O acompanhamento é importante para ver se tem uma necessidade de fisioterapia, se tem a necessidade de medicações”, explica.
Márcia de Castro Sá, 38, tem paralisia cerebral, visão subnormal e está há mais de 20 anos na espera por uma cirurgia de escoliose. Mesmo com o apoio familiar, custear os cuidados necessários na saúde sempre foi uma dificuldade.
“Para mim, faltou tudo na saúde. Hoje, meu pai é falecido, mas, quando estava entre nós, ele pagou tudo, tratamentos, fisioterapia, neuro-ortopedia, coisas que qualquer pessoa com paralisia cerebral precisa. O meu pai gastou sangue, suor e lágrimas pra me dar tudo que precisava, mas eu ainda tenho necessidade de muitas coisas, principalmente dessa cirurgia de escoliose e de médicos de visão subnormal. O custo de vida clínico para uma pessoa com paralisia cerebral é extremamente alto”, desabafa.
Em razão do alto custo de medicamentos, consultas e aparelhos médicos, Márcia opina que o Sistema Único de Saúde (SUS) deveria olhar com mais cuidado para pessoas com paralisia cerebral. Porém, reconhece que há o risco de o SUS ficar sobrecarregado. isso mostra, segundo ela, que se trata de algo maior do que apenas uma questão da saúde. “É, principalmente, algo político”, define.