Ao fazer um balanço dos 100 dias da posse de Lula, a Abrasco e o CNS veem avanços e acertos nos primeiros passos, mas apontam um longo caminho para reverter perdas dos últimos anos
A queda das coberturas vacinais, o sub financiamento do Sistema Único de Saúde e o represamento nas filas de cirurgias eletivas foram alguns dos problemas diagnosticados pelo grupo de transição que mapeou as prioridades na saúde do país para o início do novo governo. Ao fazer um balanço dos 100 dias da posse de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente da República e de Nísia Trindade Lima assumir o Ministério da Saúde, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e o Conselho Nacional de Saúde (CNS) veem avanços e acertos nos primeiros passos, mas apontam um longo caminho para reverter perdas dos últimos anos. Representantes das duas entidades ressaltam que o governo tem concentrado esforços na reconstrução de políticas que estavam enfraquecidas.
O presidente do Conselho Nacional de Saúde, Fernando Pigatto, destaca a reaproximação do Ministério da Saúde com o conselho, que é a principal instância de controle social das políticas públicas de saúde no país. Ele foi convidado a integrar o grupo de trabalho temático sobre saúde da transição de governo e o primeiro escalão do ministério voltou a participar de reuniões do colegiado, no qual tem assento ao lado de representantes da sociedade civil.
“A ministra, o secretário executivo e todas as secretárias e secretários estiveram na reunião ordinária do conselho, que acontece todo mês, coisa que não acontecia no governo anterior. A interlocução era muito difícil. E, muito pelo contrário, tudo aquilo que o conselho indicava não era levado em consideração. E o Ministério da Saúde fazia questão de tirar financiamento, fazer enfrentamentos ao conselho e tentar desgastar o Conselho Nacional de Saúde”, compara Pigatto, que representa a Confederação Nacional de Associações de Moradores no CNS. “As ações dos primeiros 100 dias são ações que, como o próprio presidente Lula falou, têm sido para reintroduzir programas e fortalecer políticas públicas que foram abandonadas e sofreram retrocesso no último período. Nossa avaliação é positiva”.
Credibilidade
O vice-presidente da Abrasco, o médico sanitarista Rômulo Paes de Sousa, vê como muito importante a recuperação da credibilidade do Ministério da Saúde como autoridade sanitária nacional, posição que ele avalia que ficou muito prejudicada no governo passado.
“Isso não é pouca coisa. Em uma pandemia, o governo federal perdeu a credibilidade porque não era previsível, porque não sustentava sua narrativa no conhecimento científico, era errático e tinha uma ação desagregadora em relação aos outros entes responsáveis pela operacionalização do SUS. Essa recuperação da credibilidade do serviço público na área da saúde foi uma primeira contribuição dessa gestão para a área da saúde, mas também para o serviço público brasileiro como um todo”, afirma Paes de Sousa, que também é pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e epidemiologista. “As várias iniciativas que o ministério tomou em relação, por exemplo, à crise com os yanomami, às questões referentes às filas para cirurgias eletivas, ao movimento de vacinação, e à reorganização do Mais Médicos, são conjuntos de iniciativas que são restituidoras no sentido de que a agenda de políticas públicas possa responder às necessidades da população”.
A Abrasco também considera que o governo federal voltou a atuar de forma a coordenar os estados e municípios, em vez de criar conflitos entre os diferentes níveis responsáveis por fazer o SUS funcionar. Rômulo Paes de Sousa critica que essa postura do governo anterior foi além da resposta à pandemia, na qual o ex-presidente atacou medidas de prevenção implementadas por governadores e prefeitos, e afetava questões como a saúde reprodutiva e a saúde de populações vulnerabilizadas. “O nível de conflito que foi operado a partir do nível federal atrapalhou muitas questões importantes”.
No cenário internacional, Paes de Sousa avalia que o Brasil voltou a colaborar com os debates em que era historicamente engajado na área da saúde em fóruns multilaterais, como acesso a medicamentos. “O fomento de narrativas alternativas ao conhecimento científico levou o país a um isolamento. O Brasil passou a não cumprir acordos internacionais e repudiar protocolos internacionais. Não apenas na pandemia, mas em outros temas. O Brasil era um país que vinha de uma grande tradição na área da saúde, de implementar políticas de qualidade, e voltou a ocupar essa posição no novo governo”.