postado em 10/12/2022 06:00
(Crédito: Caio Gomez)
IZETE SANTOS DO NASCIMENTO – Mestra em processos de desenvolvimento humano e saúde (UnB), é ativista social
A educação em e para as relações étnico-raciais (Erer) no Brasil envolve especificidades e momentos sem os quais é inviável a compreensão da luta histórica do povo negro contra a escravização imposta pelos europeus às populações do continente africano. Além de promover e operacionalizar o apagamento do lastro histórico africano, o colonialismo aplicou métodos perversos de dominação e aculturação, na tentativa de se sobrepor aos saberes ancestrais e disseminação das contribuições dos povos negros na organização social e política da humanidade em África e na diáspora.
A escravização abolida em 1888 no Brasil, ainda que em tese, negou à população negra alforriada os direitos mínimos necessários à sua subsistência, sem as garantias sociais necessárias e condições de igualdade de participação na sociedade, em todas as áreas e campos do conhecimento.
Anterior ao advento da Constituição Federativa de 1988, a luta pelo combate ao racismo e às desigualdades contra as pessoas negras marcou o início da adoção de mecanismos legais. Em 1951, surgiu a Lei Afonso Arinos, se estabeleceu prisão ou multa pela prática de racismo, depois, em 2012, houve a criação do Estatuto da Igualdade Racial, Lei n.º 12.711, encampada pelos movimentos sociais, que mantém, ainda hoje, agenda política ativa junto a governos e sociedade civil nessa seara.
A CF cidadã de 1988, aclamada como instrumento de garantia, promoção e proteção dos direitos fundamentais, está firmada no Estado Democrático de Direito, a qual determina ao Estado o dever de possibilitar o bem de todos, sem nenhum tipo de preconceito ou discriminação de origem, raça, sexo, cor, idade, reconhecendo, ainda, a igualdade de todos perante a lei, sem diferenciação, no que concerne à inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (art. 3.º, inciso IV; 5.º).
Apesar das prerrogativas sociais constitucionais para a igualdade entre os indivíduos preceituadas para o cumprimento dos direitos fundamentais apontados como princípio da República, a população negra brasileira padece pela ausência de justiça social, o que constitui uma gama de violações praticadas pelo Estado e, consequentemente, por aqueles que possuem maior domínio sobre o outro, em razão do poder aquisitivo ou da cor da pele, o que impede a emancipação, autonomia e liberdade dos sujeitos. Sem essa premissa, as relações sociais se materializam em arroubos sociais e poderes políticos opressores e excludentes (Souza Junior, 2016).
A escola, além de ser um dos espaços propícios ao desenvolvimento humano, é onde as relações sociais diferenciadas se tornam mais evidentes, pois abriga identidades sociais multíplices: modos de coexistência, etnias, crenças, sexualidades, saberes e religiosidades, justamente por isso torna-se um ambiente favorável à valorização da inter culturalidade, da ética e fazeres epistemológicos e pedagógicos.
Configurar práticas antirracistas pressupõe a concepção de redes educativas que se coadunam na direção de mediar as relações, abrigando visões de mundo que não sejam utilizadas como instrumento de dominação enquanto humano ou julgamentos com base no preconceito e na discriminação tecidos na conjuntura das desigualdades raciais e sociais (Petronilha Gonçalves Silva, 2011).
Uma Erer antirracista está para além do que simplesmente incluir atividades pontuais com viés apenas cultural e folclórico. O letramento racial deve se iniciar na revisão dos conteúdos curriculares oficiais, na Proposta Pedagógica das escolas, nos livros didáticos, na inclusão de farto material literário nas bibliotecas, na parceria com os movimentos sociais que atuam na defesa dos direitos humanos na perspectiva étnico-racial. Além disso, destaca-se o diálogo com as secretarias e conselhos de promoção da igualdade racial a nível federal, estadual e municipal, possibilitando ganhos social e coletivo. O mesmo esforço cabe na formação docente e nos currículos das instituições de ensino superior.
O racismo é fenômeno persistente e multifacetado cuja tarefa de combate não se restringe ao movimento negro, mas é responsabilidade de toda a sociedade. Enquanto houver racismo não haverá democracia, sob pena de manter e perpetuar as desigualdades sociais e étnico-raciais também no ambiente escolar.